Decisão Histórica do STF: Por Que Homofobia Agora é Tratada Como Racismo

O STF equiparou a homofobia ao racismo. Entenda os fundamentos jurídicos e o que muda na prática.

4/4/20255 min ler

photo of white staircase
photo of white staircase

O que motivou o julgamento no STF?

Em um país onde a cada hora uma pessoa LGBTQIA+ sofre violência, a omissão legislativa se torna mais do que um silêncio: vira conivência. O Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado em 2019 a julgar a criminalização da homofobia e da transfobia, diante da inércia do Congresso em legislar sobre o tema.

A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4733, apresentados pela ABGLT e pelo Partido Popular Socialista (PPS). Ambos denunciavam a lacuna legal e exigiam proteção penal efetiva contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.

Como era o tratamento jurídico da homofobia antes da decisão?

Antes da decisão do STF, não havia no Brasil lei penal específica que tipificasse crimes motivados por homofobia ou transfobia. A maioria das vítimas enfrentava impunidade ou subnotificação, com registros genéricos como “lesão corporal” ou “homicídio simples”, sem considerar o viés discriminatório.

Apesar de avanços em políticas públicas e decisões pontuais, a proteção penal plena não existia, o que deixava a população LGBTQIA+ em situação de extrema vulnerabilidade.

O que diz a Lei nº 7.716/1989 (Lei do Racismo)?

A chamada Lei do Racismo define crimes resultantes de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Com penas que variam de um a cinco anos de reclusão, a norma é considerada uma das mais rígidas do ordenamento jurídico brasileiro.

No entanto, até 2019, a orientação sexual e a identidade de gênero não estavam expressamente previstas na lei. Foi nesse ponto que o STF agiu: interpretou extensivamente a norma para incluir a homofobia e a transfobia no rol de discriminações punidas.

Os fundamentos jurídicos da equiparação

A decisão do STF se sustentou em três pilares constitucionais:

  1. Princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF)

  2. Direito à igualdade e à não discriminação (Art. 5º, caput, CF)

  3. Princípio da criminalização obrigatória do racismo (Art. 5º, XLII, CF)

O raciocínio foi claro: se a Constituição exige a repressão ao racismo e garante igualdade plena, a discriminação por orientação sexual também deve ser punida — até que o Congresso regulamente o tema.

Além disso, o STF argumentou que, ao se omitir, o Legislativo violava direitos fundamentais, o que autorizava o Judiciário a intervir de forma interpretativa.

O papel da omissão do Congresso Nacional

A inércia legislativa, ou “mora do Congresso”, foi central no julgamento. O STF entendeu que, desde a promulgação da Constituição em 1988, o Parlamento teve tempo mais do que suficiente para aprovar uma lei criminalizando a homofobia — e não o fez.

Com base na ADO 26, o tribunal afirmou que a omissão se tornou inconstitucional. Como solução, determinou que, enquanto não houver lei específica, a homofobia e a transfobia devem ser punidas nos moldes da Lei nº 7.716/89.

Esse mecanismo é um exemplo de controle jurisdicional da omissão legislativa, previsto na Constituição e amplamente aceito no Direito Constitucional moderno.

Efeitos práticos da decisão: o que muda na vida real?

Com a decisão, atos de homofobia e transfobia passaram a ser tipificados como crime de racismo, com penas equivalentes e caráter inafiançável e imprescritível — ou seja, mais severo do que muitos outros crimes comuns.

Consequências diretas:

  • Aplicação da Lei nº 7.716/89 a atos de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.

  • Possibilidade de prisão, abertura de inquérito e responsabilização criminal.

  • Envolvimento do Ministério Público e da Justiça Federal em casos mais graves.

  • Fortalecimento das políticas públicas de enfrentamento à LGBTfobia.

Na prática, violências simbólicas ou físicas motivadas por preconceito ganharam respaldo legal claro — e isso fez diferença.

Críticas e controvérsias sobre a decisão

Como toda decisão de impacto estrutural, a equiparação da homofobia ao racismo gerou debates jurídicos e políticos acalorados.

Críticas frequentes:

  • “O STF usurpou a função do Legislativo.”

  • “Decisão cria insegurança jurídica, pois não há definição legal clara.”

  • “A interpretação extensiva pode comprometer o princípio da legalidade penal.”

Respostas a essas críticas:

  • O STF não criou um novo tipo penal, mas aplicou um já existente a uma situação análoga.

  • A omissão legislativa não pode ser pretexto para a perpetuação da impunidade.

  • A decisão foi fundamentada na jurisprudência internacional e nos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

O avanço da jurisprudência constitucional no combate à discriminação

O STF reafirmou seu papel de guardião da Constituição e defensor dos direitos fundamentais. Em um contexto onde o Legislativo se mostra inerte, o Judiciário não pode se omitir diante de violações flagrantes de direitos humanos.

A decisão de equiparar a homofobia ao racismo insere o Brasil no rol das nações que tratam a violência contra pessoas LGBTQIA+ como questão de Estado — e não como conflito privado ou questão de costumes.

Esse julgamento entrou para a história como um marco da jurisprudência constitucional antidiscriminatória.

FAQ – Perguntas Frequentes

Homofobia é crime no Brasil?
Sim. Desde a decisão do STF em 2019, atos de homofobia e transfobia são punidos com base na Lei do Racismo.

Qual a pena para homofobia?
De um a cinco anos de reclusão, podendo ser aumentada em casos de agravantes, como violência física ou reincidência.

Por que o STF interveio se o Congresso não fez a lei?
Porque a omissão legislativa se tornou inconstitucional, violando direitos fundamentais.

A decisão do STF vale para todo o Brasil?
Sim. É vinculante e deve ser aplicada por todos os tribunais e juízes do país.

Existe projeto de lei específico sobre o tema?
Sim, como o PL nº 122/2006 e outros mais recentes, mas nenhum foi aprovado até hoje.

Referências (ABNT)

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 mar. 2025.

BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7716.htm. Acesso em: 28 mar. 2025.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Julgamento da ADO 26 e MI 4733. Relatoria: Min. Celso de Mello. Sessão de 13 de junho de 2019. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 28 mar. 2025.

ABGLT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LÉSBICAS, GAYS, BIS E TRANS. Histórico das ações no STF pela criminalização da homofobia. Disponível em: https://www.abglt.org.br. Acesso em: 28 mar. 2025.

CONJUR. STF criminaliza homofobia e transfobia por equiparação à Lei do Racismo. Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br. Acesso em: 28 mar. 2025.

Marcos Vinícius Massaiti Akamine

Graduado em Direito pela UFMS-CPTL (2007-2012) e mestre em Direito pela UNIVEM (2014-2016). Advogado inscrito na OAB/MS desde 2012, com atuação em Direito Penal, Civil e Administrativo. Vice-Presidente da 2ª Subseção da OAB/MS (2022-2027) e Professor Universitário.